Zema diz que sanções de Trump contra Moraes são corretas e que Lula 'deu todos os motivos' para retaliação dos EUA
15/08/2025
(Foto: Reprodução) Em entrevista à BBC News Brasil, o governador de Minas Gerais admitiu que pode não ter o apoio de Jair Bolsonaro para as eleições de 2026
BBC
Às vésperas de lançar sua pré-candidatura à Presidência neste sábado (16/8), o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), já admite que pode não ter o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para sua próxima empreitada eleitoral em 2026.
"Nós temos uma afinidade em propostas e, com toda certeza, em 2026, a direita terá alguns candidatos e não um candidato. Então, pode ser que o ex-presidente venha apoiar outro candidato à direita", disse Zema, em entrevista à BBC News Brasil.
"Então estaremos, muito provavelmente, caminhando de maneira solitária no primeiro turno, mas estaremos juntos no segundo turno", disse o mineiro, insistindo, porém, que deve levar sua candidatura até o fim, mesmo sem a benção do ex-presidente.
Em 2026, o Novo é um dos partidos sob risco de ser afetado pela cláusula de barreira, caso não eleja 13 deputados federais (atualmente, o partido tem apenas cinco) ou não obtenha 2,5% dos votos válidos para Câmara e 1,5% em pelo menos nove Estados.
A candidatura presidencial própria, ainda que sem o aval de Bolsonaro, é uma forma de atrair votos para a legenda, que pode vir a ser extinta por fusão ou incorporação a outro partido.
Mesmo sem o apoio de Bolsonaro, Zema mantém a posição de que concederia anistia ao ex-presidente, se eleito. Isso mesmo após uma pesquisa Datafolha, publicada no início de agosto, apontar que 61% dos eleitores não votariam em um candidato que prometa livrar Bolsonaro de qualquer pena ou punição no caso da suposta tentativa de golpe de Estado.
"Mantenho sim. Eu não estou à procura de voto, estou à procura de solução", diz Zema. "Por que não dar anistia? Acho que nós temos de passar uma régua nisso, uma borracha, e olhar para o futuro."
Apesar de já ter criticado as tarifas de Trump contra o Brasil, o governador expressou apoio às sanções americanas contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Mas disse não ver interferência do presidente americano sobre o sistema judiciário brasileiro.
Ele culpou ainda o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo tarifaço, comparando os Estados Unidos a um cliente que deve ser bem tratado.
"Um cliente que é responsável por 12% das suas vendas, você não pode virar as costas, muito menos ficar agredindo gratuitamente, e foi o que o presidente fez. Então, acho que nós temos que nos colocar no nosso lugar", diz o governador.
Na entrevista, Zema apresentou ainda algumas de suas propostas, caso venha a ser eleito presidente.
Entre elas, estão medidas polêmicas, como uma lei para proibir pessoas em situação de rua de dormir em via pública — voltando a comparar moradores de rua com carros parados em lugar proibido que devem ser "guinchados", como já havia feito em entrevistas concedidas em junho.
'Se alguém deixa o carro estacionado num lugar proibido, o carro não é guinchado?', questiona Zema. 'Na minha opinião, nós tínhamos de ter uma lei, o seguinte: é proibido dormir em via pública. É proibido ficar acampado em via pública'
AFP via BBC
Ele defendeu ainda o "desmame" da Zona Franca de Manaus e mudanças no Bolsa Família.
Ao falar sobre o programa social, porém, mostrou desconhecimento sobre seu desenho, ao propor um mecanismo de saída para que quem comece a trabalhar possa manter o benefício por pelo menos um ano — o que já existe no programa desde 2023, através da chamada Regra de Proteção.
Nascido em Araxá (MG) e eleito duas vezes governador de Minas Gerais, após 26 anos como CEO de uma rede varejista, Zema declarou um patrimônio de quase R$ 130 milhões em 2022.
Ainda assim, ele se diz favorável à proposta de reforma do Imposto de Renda que prevê maior taxação para os mais ricos. Defende também uma mudança na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para permitir a pejotização de forma mais ampla — tema atualmente em debate no STF.
"Hoje nós temos muito esse processo de pejotização, em que muitas pessoas trabalham como prestadores de serviços por motivo tributário, mas é o equivalente a empregado. Então, acho que nós tínhamos de ter aqui uma 'CLT 2' que permitisse alguém fazer essa opção."
Confira abaixo os principais trechos da entrevista, que foi editada para fins de maior clareza e concisão.
'Por que não dar anistia? Temos de passar uma régua nisso, uma borracha, e olhar para o futuro', diz Zema, que promete perdão a Bolsonaro, se eleito
AFP via BBC
BBC News Brasil - O senhor está lançando a sua pré-candidatura essa semana, ainda sem o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro. Como espera conquistar esse apoio até outubro de 2026?
Romeu Zema - Eu e o ex-presidente Jair Bolsonaro nunca estivemos no mesmo partido. Nós temos uma afinidade em propostas e, com toda certeza, em 2026, a direita terá alguns candidatos e não um candidato. Então, pode ser até que o ex-presidente venha apoiar outro candidato à direita.
Mas nós queremos um objetivo comum, que é colocar o Brasil nos eixos, uma responsabilidade fiscal maior. Então estaremos, muito provavelmente, caminhando de maneira solitária no primeiro turno, mas estaremos juntos no segundo turno. Isso não enfraquece nem o partido dele, nem o meu.
BBC News Brasil - Se ele declarar apoio a outro candidato, o senhor estaria preparado para abrir mão da sua candidatura em favor de uma candidatura de consenso à direita?
Zema - Não. Nós vamos manter a nossa candidatura até o final.
BBC News Brasil - O senhor já disse que pretende conceder anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro, se eleito. Mantém essa posição mesmo depois de o Datafolha mostrar que 61% dos eleitores não votariam num candidato que declare que vá aprovar a anistia?
Zema - Mantenho sim. Eu não estou à procura de voto, estou à procura de solução. Foi o que eu fiz em Minas Gerais. Tanto é que, na minha reeleição, em 2022, eu falei: 'Eu não vou dar o reajuste que as categorias [do funcionalismo público] querem. Eu não tenho dinheiro.'
Se eu tiver de perder a eleição, eu prefiro perder a eleição e deixar um Estado viável do que ganhar a eleição e o Estado virar um caos. E acabei sendo reeleito.
No Brasil, nós temos de parar de olhar para o passado e olhar para o futuro. Nós já demos anistia para assassino, para sequestrador na época do regime militar. E eu não vi nenhum tiro agora, nenhum assassinato. Por que não dar anistia? Acho que nós temos de passar uma régua nisso, uma borracha, e olhar para o futuro.
BBC News Brasil - O senhor mencionou não ter dado reajuste para os servidores porque não tinha a receita naquele momento. Mas o senhor aumentou o seu próprio salário em 300%, muito acima da inflação do período, que era de 153%. Diante desse fato, como é que o senhor espera convencer o eleitor de que é a pessoa certa para sanear as contas públicas do país?
Zema - Secretário em Minas Gerais e governador ganhavam menos do que secretário municipal e prefeito de cidade pequena. Nenhum governador, antes de mim, teve coragem de fazer essa correção, entende?
Eu queria que alguém me recomendasse um secretário para Minas Gerais para ganhar menos do que um vereador de cidade pequena. Você simplesmente não encontra.
No início do meu governo, na primeira gestão, eu ainda consegui levar pessoas que foram meio como voluntárias. Na segunda gestão, eu já não tinha mais como segurá-los. Então fiz a correção necessária. Ganho hoje igual a outros governadores e os meus secretários ganham o equivalente a outros secretários em outros Estados. Não adianta querer ficar tapando o sol com a peneira.
BBC News Brasil - Mas como o eleitor vai acreditar que o senhor está pronto para sanear as contas públicas, se o senhor está pronto para aumentar o seu salário em 300%?
Zema - Como é que se governa Minas Gerais com um secretário de Estado ganhando o que um vereador de cidade de 2 mil habitantes ganha? Porque o salário do secretário é proporcional ao meu, não tinha como corrigir uma coisa, sem corrigir a outra.
E um detalhe: eu dou praticamente todo o meu salário. Eu fui para a política porque já estava com a minha vida resolvida. Então, para mim, o salário não faz nenhuma diferença, eu estou trabalhando mais como voluntário.
'Como é que se governa Minas Gerais com um secretário de Estado ganhando o que um vereador de cidade de 2 mil habitantes ganha?', diz Zema, justificando o aumento de 300% do seu próprio salário, aprovado em 2024
BBC
BBC News Brasil - Entrando na questão da crise entre Brasil e Estados Unidos, o senhor já disse que considera a taxação de Trump "errada e injusta", mas, ao mesmo tempo, disse em uma entrevista à revista Veja que, se ele tivesse retaliado "quem é responsável, tudo bem". O senhor defende as sanções de Trump contra Alexandre de Moraes?
Zema - Defendo. Defendo contra todo o sistema ditatorial. Nós não estamos prezando tanto a democracia aqui no Brasil? Agora, nós temos de lembrar de um detalhe: se tem uma democracia que é referência no mundo, é a dos Estados Unidos, a da Inglaterra.
E se tem um país como os Estados Unidos retaliando alguém aqui, ao lado de ditadores, de Cuba, de Venezuela e de outros países, eu acho que isso é um alerta para o Brasil.
Acho que o governo dos Estados Unidos não deveria ter colocado tarifaço. Deveria, sim, ter retaliado as pessoas que estão provocando esses problemas aqui no Brasil.
BBC News Brasil - O senhor acha que é correta a interferência de um chefe de Estado estrangeiro sobre o sistema de Justiça brasileiro?
Zema - Não está interferindo em nada. Eles não vieram aqui falar sobre decisão do sistema judiciário…
BBC News Brasil - Eles estão tentando pressionar por uma decisão num sentido.
Zema - Aquilo ali é um tanto quanto velado. O que os Estados Unidos fizeram com o Brasil, fizeram agora recentemente com a Índia, não foi? É muito mais uma questão econômica do que uma questão política.
BBC News Brasil - Mas eles deixaram claramente escrito na carta [de Trump a Lula] que estavam contra os processos sofridos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, acho que não tem nenhuma dúvida de que a questão do ex-presidente Jair Bolsonaro pesou nessa [decisão].
Zema - Com toda certeza. Agora, se o governo tem uma bala e pode matar dois coelhos com essa bala, o que eles estão fazendo? Aproveitando e colocando a parte econômica e a parte política junto.
Sou contra toda interferência em outro país, sou favorável e acredito que cada país tem a sua soberania. Interferências são sempre mal-vindas. A minha visão é essa. Então, nesse ponto, eu sou contrário.
BBC News Brasil - Mas o senhor, como presidente, permitiria, então, que um país estrangeiro interferisse no sistema judiciário do Brasil, como está acontecendo agora?
Zema - Acho que nós temos que pegar o contexto todo. O problema é o seguinte: há anos o nosso presidente Lula tem criticado de maneira sistemática os Estados Unidos, tem feito descaso, tem feito ironia, tem questionado o dólar e [os EUA] são o segundo maior cliente do Brasil.
Eu fui varejista minha vida inteira. Cliente, a gente trata bem. A gente não fica fazendo ironia, não fica agredindo. E o presidente Lula fez isso e, além disso, se aproximou de países, de ditadores, nitidamente antiamericanos. Então, me parece que ele deu todos os motivos para os Estados Unidos quererem fazer alguma retaliação aqui.
'Acho que o governo dos EUA não deveria ter colocado tarifaço. Deveria, sim, ter retaliado as pessoas que estão provocando esses problemas aqui no Brasil', diz Zema
AFP via BBC
BBC News Brasil - O senhor mesmo citou o exemplo da Índia, o primeiro-ministro Modi, que era próximo ao governo Trump, foi negociar, e ainda assim saiu com uma tarifa de 50%. Diante desse exemplo da Índia, o senhor ainda acha que seria possível um diálogo com Trump?
Zema - No dia que Trump anunciou o tarifaço, Lula deveria ter ido imediatamente encontrá-lo para saber o que estava acontecendo. Os EUA representam cerca de 12% da balança comercial brasileira. O Brasil, para os EUA, acho que 1,5%. Um cliente que é responsável por 12% das suas vendas, você não pode virar as costas, muito menos ficar agredindo gratuitamente, e foi o que o presidente fez.
Então, acho que nós temos que nos colocar no nosso lugar. O Brasil é um país que merece consideração, mas acho que o presidente Lula se julga muito mais do que o presidente do Brasil, infelizmente.
BBC News Brasil - E como o senhor avalia a ação do deputado Eduardo Bolsonaro, que tem reivindicado mais sanções contra o Brasil, mesmo depois das tarifas de 50%, das investigações comerciais, e das sanções contra ministros do Supremo?
Zema - Eu julgo que o Brasil é em primeiro lugar. Ninguém, nenhuma pessoa, nem o presidente, está acima de uma nação com mais de 200 milhões de habitantes. Nenhum ex-presidente, nenhum ministro, ninguém. Então, não concordo.
BBC News Brasil - O senhor acha que o deputado está errado?
Zema - Sim, primeiro o interesse do país e não o interesse de alguém.
'Ninguém, nenhuma pessoa, nem o presidente, está acima de uma nação com mais de 200 milhões de habitantes. Nenhum ex-presidente, nenhum ministro, ninguém. Então, não concordo', diz Zema, sobre atuação de Eduardo Bolsonaro no EUA, articulando sanções contra o Brasil
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BBC News Brasil - O senhor tem defendido que o governo deveria ter negociado mais. Minas Gerais tem grande parte das reservas brasileiras de terras raras e minerais críticos. O senhor acredita que esses minerais deveriam fazer parte dessas negociações com Trump?
Zema - Sim, com toda certeza. O Brasil hoje é o maior fornecedor mundial de nióbio, que inclusive é produzido em Minas Gerais. Cerca de 80% do suprimento mundial de nióbio, que é utilizado em superligas, é produzido [em Minas].
Acho que o Brasil tem de colocar tudo isso na balança sim, mas nós temos um presidente que fica só agredindo verbalmente, que não sabe negociar. Acho que ele deveria aprender.
BBC News Brasil - O presidente Trump declarou cartéis de narcotráfico como organizações terroristas, abrindo caminho para intervenções por terra e mar nos países onde essas organizações atuam. Se Trump declarar o PCC como organização terrorista, o senhor como presidente aceitaria que militares americanos viessem ao Brasil combater o PCC?
Zema - Se é para combater o terrorismo, acho que todos os países têm de caminhar juntos. Eu estive recentemente em El Salvador, faz 90 dias. Lá, as organizações criminosas, as facções foram equiparadas a terroristas. Sabe o que aconteceu com os homicídios? Caíram mais de 99%.
Isso significou penas duríssimas para quem é membro de facção criminosa e bandido atrás das grades. Eu tenho certeza que todo brasileiro de bem quer isso, porque nós estamos fartos da violência.
BBC News Brasil - Mas estamos falando da ação de um Estado estrangeiro em território brasileiro.
Zema - Uma operação, sou totalmente de acordo. Que venha para cá pessoal da Argentina, do Uruguai, do Peru, se for para combater.
BBC News Brasil - O senhor não vê nenhum risco à soberania nacional?
Zema - Se for tudo pré-acordado, não, de forma alguma. Acho que nós temos de unir forças para combater, porque nós temos aí lugares que já se transformaram em narcoestados.
Então é isso que nós queremos para o Brasil. Vinte e três milhões de brasileiros vivem hoje em regiões onde quem domina, quem manda, não é o Estado brasileiro, são as facções criminosas.
Isso para mim não é vida. Nós temos, em primeiro lugar, de colocarmos essas pessoas dentro do sistema de inclusão social. Elas estão em outro país, onde bandido manda, tem lá até tribunal do crime.
Zema cita El Salvador, com sua política de encarceramento em massa, como um exemplo para as políticas de segurança pública no Brasil e diz que aceitaria ação americana em território nacional para combate ao PCC
Secretaria de Imprensa da Presidência de El Salvador
BBC News Brasil - O senhor já defendeu a remoção compulsória de moradores de rua em Belo Horizonte. Nos EUA, Trump convocou a Guarda Nacional para expulsar pessoas em situação de rua da capital do país. O Brasil tem mais de 300 mil pessoas em situação de rua. O que o senhor pretende fazer com relação a essas pessoas, se vier a ser eleito?
Zema - Eu quero resolver esse problema.
Se alguém deixa o carro estacionado num lugar proibido, o carro não é guinchado? Agora vai ficar alguém na porta de um comerciante que paga imposto, que gera emprego, fazendo sujeira, atrapalhando, ameaçando o cliente. Ninguém pode fazer nada.
Espaço público éBBC News Brasil - O senhor já deu também d para todos utilizarem. Na minha opinião, nós tínhamos de ter uma lei, o seguinte: é proibido dormir em via pública. É proibido ficar acampado em via pública.
Isso está criando um problema gigantesco no Brasil. Mas é um problema que nós precisamos dar um embasamento legal, porque isso está gerando um problema de segurança social enorme no Brasil. Tem áreas de algumas cidades que o idoso não pode morar mais, porque se ele andar na rua com dificuldade, vai vir alguém e vai arrancar alguma coisa que ele está carregando.
Esse é o país que nós queremos? Eu tenho certeza que não é. E tenho certeza que a maioria dos brasileiros concordam comigo. Só essas ONGs bobinhas aí, que não tem o que fazer, é que parece que são contra isso.
BBC News Brasil - A solução do senhor para esse problema em nível nacional seria uma política de remoção em nível nacional? O que o senhor está defendendo, exatamente?
Zema - Tem albergues, tem abrigos, essas pessoas têm de ir para esses lugares. Só que elas se negam a ir. Na minha opinião, não é direito delas ficarem dormindo na porta da casa de alguém, na porta do comércio de alguém.
Virou modo de vida isso no Brasil, muitas vezes ligado a uma dependência química que faz com que essas pessoas não tenham mais condição de raciocinar adequadamente.
BBC News Brasil - O senhor acha então que o "modelo Trump" pode ser um modelo para o Brasil?
Zema - Não conheço o modelo dele em detalhes, mas o que eu estou propondo é o tratamento adequado para essas pessoas e levá-las para esses centros de recuperação que existem, mas que elas se negam a ir.
'Na minha opinião, nós tínhamos de ter uma lei, o seguinte: é proibido dormir em via pública. É proibido ficar acampado em via pública', diz Zema
AFP via BBC
BBC News Brasil - O senhor já deu também diversas declarações associando o Bolsa Família à escassez de mão de obra das empresas, embora os dados do Caged mostrem que, no ano passado, 75% dos empregos com carteira criados no Brasil foram ocupados por beneficiários do programa. O senhor pretende mudar o programa, caso venha a ser eleito?
Zema - Pretendo aperfeiçoá-lo, sim. Na minha opinião, quem recebe o Bolsa Família deveria continuar recebendo o Bolsa Família quando consegue um emprego, até para ele ver que no emprego ele vai aprender, ele está se qualificando, ele está se desenvolvendo.
BBC News Brasil - Mas isso já acontece hoje. Com a regra de transição do Bolsa Família, isso já está acontecendo [Nota da redação: introduzida em 2023, a chamada regra de proteção permite que famílias que elevem sua renda até R$ 706 por pessoa continuem a receber metade do benefício por até 12 meses].
Zema - Eu não sei exatamente. Não sei se você tem os detalhes, mas eu acho que durante um ano ele tinha de continuar recebendo o Bolsa Família, até para ele ter um incentivo.
BBC News Brasil - Esse é o desenho atual do programa…
Zema - É um ano? Continua recebendo 100%?
BBC News Brasil - Depende da mudança de renda. Se passar do nível de renda, ele pode ser excluído, mas tem essa cláusula, sim. Isso já está acontecendo no modelo atual.
Zema - Eu quero deixar claro o seguinte: o que eu quero é que nós tenhamos um processo de desmame do Bolsa Família, bem feito. Não tenho detalhes do modelo hoje, mas muita gente fala: 'Eu não vou [trabalhar], porque estou trocando o certo pelo incerto'.
Então, acho que nós temos de criar incentivos para que quem está no Bolsa Família trabalhe e continue recebendo o Bolsa Família por um bom tempo. Que esse desmame seja longo, porque o que está acontecendo aqui no Brasil é que não existe mais desmame e tem gente que está recebendo o Bolsa Família há 20, há 25 anos, desde o início do programa. Então ele tem mostrado que é um programa que não resolve efetivamente.
'Na minha opinião, quem recebe o Bolsa Família deveria continuar recebendo quando consegue um emprego', defende Zema — mas o programa já tem hoje essa possibilidade, com a regra de proteção, introduzida em 2023
Lyon Santos/MDS
BBC News Brasil - Mas 1 milhão de pessoas já saíram do Bolsa Família no período recente [apenas no mês de julho], isso é um dado oficial do governo. As pessoas estão saindo do programa.
Zema - Mas quantos ainda recebem Bolsa Família no Brasil? 20 milhões? [Eram 19,6 milhões de famílias em julho, segundo dados do governo]
BBC News Brasil - Sim, mas as pessoas estão saindo. E a regra de transição que o senhor está propondo já existe. Então, para mim, não está claro qual é o problema do senhor com [o programa].
Zema - Então, acho que nós temos de aperfeiçoá-lo, porque o que existe hoje, e eu também quero te lembrar, é o seguinte: toda semana eu estou no interior de Minas.
Eu sou gestor, chão de fábrica. Não fico lá no meu gabinete, trancado, não. Eu vou na rua para ver o que está acontecendo. Não sei se você costuma ir.
E eu chego lá na rua, no interior de Minas Gerais, converso com o produtor rural, converso com o comerciante, e eles me falam: 'Tem um punhado de gente aqui na minha cidade que recebe o Bolsa Família, vem aqui, quer trabalhar, mas não quer emprego formal, que emprego informal, sem registro.'
Aí o comerciante, a indústria não quer porque não está cumprindo a legislação. Então, há, em muitos casos, essa questão de haver uma resistência por parte do beneficiário em aceitar um emprego formal, porque ele vai estar perdendo alguma coisa, ou agora, ou no futuro. Então isso, para mim, sinaliza que o programa precisa ser aperfeiçoado.
BBC News Brasil - Mas o senhor não acredita que isso pode ser fruto de um preconceito que se tem com os beneficiários do Bolsa Família e que talvez essa dificuldade de contratar esteja mais ligada ao pleno emprego que a gente tem atualmente?
Zema - Então, hoje nós temos praticamente uma situação de pleno emprego. Agora, se você anunciar, 'eu estou com vagas', se for formal, muitas pessoas não querem. Se for informal, elas querem. O que é estranho, porque o emprego formal é que dá mais garantias, que dá mais acesso a aposentadoria, Fundo de Garantia, etc.
Então está muito claro: ou a população está ignorante e não sabe que o programa tem esse benefício que você está falando, ou então nós precisamos mudar essa forma do desmame, que não está adequada, porque muitas pessoas hoje simplesmente não aceitam trabalhar formalmente.
Então nós temos que levantar. Talvez é alguma coisa que eu ignore, que eu não estou sabendo, mas indo ao chão de fábrica, o que eu tenho nesse momento de informação é isso.
"Hoje nós temos praticamente uma situação de pleno emprego. Agora, se você anunciar, 'eu estou com vagas', se for formal, muitas pessoas não querem", diz Zema — no entanto, o Brasil atingiu em junho recorde de empregados com carteira assinada, somando 39 milhões, conforme o dado mais recente do IBGE
Thais Carrança/BBC
BBC News Brasil - O senhor declarou um patrimônio de quase R$ 130 milhões em 2022 e, portanto, deve ser um dos afetados pelo aumento da taxação dos mais ricos com a reforma do Imposto de Renda. Como avalia essa reforma?
Zema - Avalio ela como positiva. O Brasil precisa melhorar a sua tributação, torná-la mais progressiva.
Hoje nós temos muito esse processo de pejotização, em que muitas pessoas trabalham como prestadores de serviços por motivo tributário, mas é o equivalente a empregado. Então, acho que nós tínhamos de ter aqui uma "CLT 2" que permitisse alguém fazer essa opção.
Não é acabar com a CLT, não, entendeu. Será que nós não temos gente madura para poder escolher?
Hoje parece que nós estamos beneficiando aqueles que têm condição de constituir uma empresa, que têm condição de discutir um contrato de prestação de serviço com o empregador ou com a empresa. E o mais simples, fica preso na CLT, onde ele é penalizado pelo Imposto de Renda.
Agora, eu sou favorável [à reforma do IR], totalmente. Nós temos de fazer com que aqueles que ganham muito, paguem.
BBC News Brasil - Lá em 2023, o senhor comparou os Estados do Norte e Nordeste a "vaquinhas magras que produzem pouco", ao falar sobre distorções de arrecadação. E também disse que os Estados do Sul e Sudeste são os que podem contribuir para o país dar certo porque têm mais trabalhadores do que dependentes de auxílio. Como o senhor espera convencer os eleitores do Norte e Nordeste de que o senhor vai governar para eles também?
Zema - O Brasil é um só. Eu abri lojas, várias, umas 40 no sul da Bahia. Gosto muito daquela região lá de Brumado, e não tenho nenhuma restrição ao Nordeste, aos nordestinos.
Agora, é fato aqui no Brasil que nós temos hoje em vários Estados uma política que é perniciosa à população, onde tem tipo um coronelismo. Isso precisa mudar.
Nós precisamos avançar na questão das instituições públicas. E isso tem sido difícil em alguns Estados. Em Minas tem, em algumas cidades lá, essa cultura do político dominar tudo, perseguir alguém que não está dando apoio, isso é muito triste. Isso não é democracia para mim.
Agora, eu sou favorável a ter ajuda àqueles municípios, àqueles Estados que têm uma renda menor, que têm o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] menor. É preciso fazer uma redistribuição. Isso já acontece no Brasil.
Agora, nós precisamos ter um plano de longo prazo também para que quem recebe ajuda vá melhorando ao longo do tempo e não dependendo eternamente da ajuda.
A Zona Franca de Manaus já existe há mais de 50 anos, e parece que não tem nenhum plano de desmame ali.
'A Zona Franca de Manaus já existe há mais de 50 anos, e parece que não tem nenhum plano de desmame ali', diz Zema, que defende que 'todo subsídio deveria ser temporário'
BBC
BBC News Brasil - O senhor pretende acabar com a Zona Franca de Manaus, então, se se tornar presidente?
Zema - Não. Eu pretendo fazer o desmame. Eu acho que todos os Estados, cidades, têm de ter autonomia. Eu criei meus filhos para terem autonomia. Mas parece que, na política, tem cidade, tem Estado, que quer ficar recebendo verba eternamente. Está errado.
Recebendo subsídio eternamente, inclusive para o setor privado. Todo subsídio deveria ser temporário.
BBC News Brasil - O senhor já deu declarações relativizando a ditadura militar, tem questionado agora publicamente a aplicação da Lei de Defesa do Estado Democrático, já deu declarações de que o [presidente Nayib] Bukele é um exemplo para o senhor – Bukele que agora pode ser reeleito indefinidamente, conforme uma decisão do Congresso de El Salvador. Os eleitores podem estar seguros de que, sob um eventual governo do senhor, a democracia brasileira está segura?
Zema - Eu fui CEO de uma empresa durante 30 anos. Boa parte desse tempo, e nos últimos dez, 15 anos, ela está entre as melhores para se trabalhar no Brasil e entre as dez melhores de Minas Gerais.
Eu acho que eu sei criar um clima de trabalho participativo, um clima de trabalho onde as pessoas são escutadas e eu sei trabalhar em time. Eu sei montar times. Foi o que eu fiz em Minas Gerais.
E quem me conhece sabe que a última coisa que eu sou é autoritário. Agora, eu gosto das coisas certas. Eu gosto de bandido na cadeia, eu gosto de corrupto na cadeia, e isso não está acontecendo no Brasil. Aí eles distorcem, falam que eu quero ser ditador. Nunca fui.
Tem lá 5 mil empregados na empresa que eu era CEO. Vai lá e pergunta como eu era presidente da empresa. Quem me conhece, sabe.
BBC News Brasil - Mas o senhor acredita na democracia como um valor, sendo uma pessoa que já relativizou a ditadura brasileira?
Zema - Plenamente, plenamente. Nós tivemos aqui um regime militar, sim, mas do outro lado tinha terroristas, sequestrando e matando. Acho que estava meio que semelhante a uma guerra naquela época. Eu era criança muito pequena, não vou saber analisar bem, mas que teve um regime militar aqui, teve sim, inegavelmente. Não quero aquilo de volta.
Você falar que eu sou a favor [da ditadura], é uma coisa muito diferente do que eu disse.